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Céu e Terra

Deus criou um universo tendo ao mesmo tempo duas características. A primeira é uma rica diversidade, um verdadeiro festival de seres e coisas. A segunda é que, nesta fantástica diversidade, cada ser, cada coisa tem sua individualidade, o seu próprio, que o distingue de todos os outros seres e coisas. Na verdade, só verdadeira individualidade garante verdadeira diversidade, e vice-versa.

Separações: o pecado
A Bíblia conta a história de como o pecado se fez ativo nesse universo, e as consequências disso. O melhor jeito de falar sobre o pecado é compará-lo a uma espécie de energia, que vai se alastrando e permeando tudo por onde passa. E é uma energia que atua sempre do mesmo jeito. Ela consegue penetrar no âmago dos seres, das coisas e das relações, e ali separa, rompe, quebra. Rompe um ser unitário, que não havia sido pensado para ser rompido. E assim o pecado vai cavando fossos invisíveis nas pessoas, entre as pessoas, entre as pessoas e Deus, entre as pessoas e a natureza. Transforma a natureza em algo que ela não era para ser.

A Bíblia dá a entender que inclusive a própria geografia do universo foi profundamente afetada pelo pecado. O universo como é para ser, está retratado nos primeiros capítulos de Gênesis. O nome desse universo é Jardim do Éden. O universo como é hoje, sofrendo as consequências do pecado, vem retratado no resto da Bíblia, junto com a esperança de que Deus o faça de novo como ele é para ser.
A história da Bíblia é uma história de separações e reconciliação. Ela fala das separações, e anuncia a reconciliação. Esses dias falamos da separação entre forma e conteúdo, e de suas consequências nefastas. Mas falamos também que o grande propósito de toda teologia deveria ser a reconciliação entre forma e conteúdo. Como a Bíblia o faz, também nisso ela serve de exemplo. Forma separada de conteúdo é saber sem sabor, é sabor sem saber.

Separação primordial: céu da terra
Hoje queremos falar de uma separação primordial, que é o grande pano de fundo sobre o qual se desenrola toda a história da Bíblia. Quando Deus criou o universo, o livro de Gênesis diz que Ele criou “o céu e a terra”, uma unidade. Céu e terra não eram separados, eram um contínuo. Gênesis 2:4 apresenta a criação do ser humano e do Jardim (o universo) como “a descendência do céu e da terra”, quer dizer, filhos do “casamento” entre o céu e a terra.

Assim podemos entender como o Jardim do Éden supõe um contínuo entre céu e terra. Deus caminha nele (Gênesis 3:8), pois ele é Sua casa. Ali se encontram também as criaturas “celestes”. Quando entendemos isso, sofremos mais intensamente ainda com a separação entre céu e terra que é contada no fim de Gênesis 3. A separação começa quando o casal humano transgride a palavra divina, e por causa disso tem seus olhos abertos (Gênesis 3:7). A partir daí, tudo ao redor (e também dentro de nós!) continua o mesmo, e também profundamente diferente. O pecado começou a espalhar sua energia desintegradora, e vai cavando fossos que vão separando tudo de tudo.

O resultado é o universo como hoje o vemos. Interessante é que os fossos cavados pelo pecado, por sua vez, são invisíveis para nós. Ou seja, perdemos a visão da realidade unitária. A realidade “física” é percebida por nós, mas sem a realidade “espiritual” que lhe dá significado e profundidade. O pecado abriu nossos olhos. O que vemos, no entanto, são as coisas separadas umas das outras, um universo desfigurado.
O céu ficou de um lado, a terra do outro. E nos acostumamos a vê-los separados. Depois, a pensá-los separados. Depois, que só existe o que vemos agora. A separação se completa, então, quando passamos a acreditar que só existe a terra. Sem céu. Além de ver mal, somos pretensiosos em relação ao que vemos. Dizemos que isso é tudo, que não há nada mais. E assim o céu foi banido da terra.

Reconciliação
A Bíblia conta a história de como Deus não deixou isso ficar assim. De como Ele bolou um projeto e o concretizou. De juntar de novo aquilo que o pecado separou. De juntar de novo aquilo que nós, agora agentes do pecado, separamos em nossa mente. E ela fala da reconciliação de Deus com o mundo em Jesus Cristo (2 Coríntios 5:17-21). E fala da esperança que move a criação inteira (Romanos 8:19-27), de um dia voltar a ser aquela unidade de céu e terra, tão poderosamente retratada na imagem da Nova Jerusalém, no fim do livro de Apocalipse.

O desafio bem concreto para nós hoje, é: reconciliar na nossa mente aquilo que Deus está reconciliando na realidade em nós e à nossa volta, até os confins do universo. E já ir vivendo a partir dessa nova perspectiva. Ensaiar a vida no Jardim do Éden, na Nova Jerusalém, a vida como ela é e sempre foi no coração de Deus, insistindo em ver junto aquilo que jamais deveria ter sido separado.

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