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Conteúdo e Forma (Saber e Sabor)

Nesse blog queremos conversar, de um jeito informal, sobre questões tratadas no meu livro Caminhos de Reconciliacão. Quando me perguntam se ainda vou escrever uma Teologia Sistemática, hoje eu respondo que já escrevi. Tudo que eu queria dizer, num primeiro momento, disse nesse livro. Ele carrega uma opção formal que já é, ela própria, parte do que penso que tenho a dizer. Ou seja, aqui forma já é parte do conteúdo.


Esse é o primeiro tema que quero tratar hoje: a relação entre forma e conteúdo. A distinção entre forma e conteúdo vem da filosofia, como muita coisa na teologia, mesmo que teólogos às vezes não saibam disso, ou não o admitam. Dentro de um sistema de lógica formal ou analítica, também chamada às vezes de aristotélica (ou mesmo de cartesiana), a distinção entre forma e conteúdo é um importante meio de “limpeza” ou clarificação do discurso.

Em certo sentido dá para dizer que um texto tem esses dois aspectos a que se dá o nome de “forma” e “conteúdo”. Um se refere ao jeito de escrever, outro a o que se escreve.

O problema começa quando se faz disso dois princípios independentes um do outro. Como se o que a gente diz não tivesse a ver com o jeito com que a gente diz.

Isso não é bem assim. Certas coisas, para serem “bem ditas”, tem que ser ditas de certo jeito. Dois mais dois são quatro, por exemplo, não entra nessa lista. Já uma declaração de amor não pode ser feita do mesmo jeito que se conta de uma notícia que se leu no jornal, ou como parte de um argumento científico.

A pergunta de fundo é: o que a teologia tem a dizer se encaixa nisso, ou não. Dá pra supor que a teologia tem certo conteúdo que ela é encarregada de comunicar, e que se pode escolher diferentes maneiras de comunicar isso. Um exemplo disso se pode ver nas discussões sobre tradução da Bíblia. A teoria mais normal é que na Bíblia o que importa é o sentido das palavras e das frases. Se algo no texto bíblico tem certa forma, não é tão importante que na tradução se preserve essa forma. O importante seria o conteúdo do que é dito. Conteúdo seria, propriamente, o que define o texto bíblico como inspirado, inerrante, etc. A forma seria acidental, passageira, cultural, contextual. Mudando o contexto, a época, a cultura, tem que dizer o mesmo conteúdo de outro jeito, de um jeito mais próprio dessa nova cultura, que agora recebe as palavras inspiradas que foram ditas primeiro naquela cultura antiga dos textos bíblicos.

Alguns aspectos dessa maneira de ver são corretos. O grande problema é que ela faz da verdade e da inspiração dos textos bíblicos uma coisa da cabeça. Algo racional, cognitivo. Verdade seria o conteúdo do que está dito, em termos cognitivos. O ser humano fica, no essencial, reduzido à razão, e a razão é entronizada de um jeito que é quase idolátrico. Curioso é que isso acontece também em meios mais conservadores, onde as pessoas não acham de si mesmas que são excessivamente racionais.

Quando a coisa chega a esse ponto, algo está errado com a teologia. A teologia pegou um caminho que talvez não a leve aonde ela deseja. E o que acontece, é que ela pegou um desvio colocado por uma determinada filosofia, mas acha que permanece nos caminhos abertos na Bíblia.
Separar conteúdo e forma é como separar saber e sabor. Dizer (ou pensar) que para a Bíblia ou para a teologia só interessa o saber. Saber sem sabor não tem graça, no pleno sentido dessa palavra. E o sabor da mensagem da Bíblia é tão saboroso porque fala da sabedoria de Deus, que na Bíblia, com sabedoria e sabor, Ele vai revelando a nós.

Voltando, então, ao livro e à Teologia Sistemática: A mensagem da Bíblia (e da Teologia) é a da reconciliação que Deus realizou e realiza neste mundo por meio de Cristo. Este é o conteúdo, poderíamos dizer. Essa reconciliação vai acontecendo nos caminhos da vida. A forma da mensagem bíblica é a da narrativa dos caminhos de Deus nos nossos caminhos, reconciliando o que nós insistimos em continuar separando.
Forma (caminhos) e conteúdo (reconciliação). São inseparáveis na Bíblia e inseparáveis na vida. Vamos, então, reconciliá-los em nosso pensamento.

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