1 Reis 11.1-8 (2)

1 Reis 11.1-8 (2)

Estamos no momento de parar e pensar em tudo que a narrativa bíblica registra nestes capítulos sobre o reinado de Salomão, que são determinantes para os rumos da história bíblica. Para o texto, a idolatria é o pecado maior. Para onde tudo leva, no fim. E que deixa tudo o mais tão hediondo.

Há uma certa lógica nos fatos registrados. Captá-la pode nos ajudar a pensar melhor o conjunto. Tudo começa, segundo o texto, com as mulheres estrangeiras e o apego de Salomão a elas. Por que tantas mulheres estrangeiras em Jerusalém? Davi já tinha mulheres estrangeiras, por certo. O fato em si não é tão significativo. 1 Reis 10.11-12 faz um movimento que textualmente é muito significativo. A descrição da troca protocolar de presentes entre Salomão e a rainha de Sabá é interrompida para um pequeno relato sobre a exuberância do comércio internacional nos dias de Salomão. Tema que já havia aparecido na narrativa (cf. 1 Reis 9.26-28). E que será então, tratado longamente em 1 Reis 10.14-29, depois do fatídico registro de que “o peso do ouro que se trazia a Salomão cada ano era de 666 talentos de ouro” (10.14).

Na época havia na região um intenso comércio internacional. O comércio entre nações seguia certos protocolos, que incluíam acordos comerciais. Acordos comerciais muitas vezes eram selados por casamentos. Filhas dos reis eram dadas em casamento à outra parte contratante. O zelo do rei para com essas princesas estrangeiras seria um indicativo da vitalidade da relação comercial entre os soberanos. Com cada princesa vinha um séquito de funcionários e serviçais (incluindo quase sempre um serviço de espionagem). O bem-estar das princesas era mantido com zelo, por causa da relação maior que ele implicava. Garantir sua liberdade de culto era, certamente, uma prerrogativa importante.

As mulheres estrangeiras que no fim representaram a derrocada de Salomão, portanto não eram sua causa primária. Em certo aspecto elas já eram consequência de uma causa anterior. E essa causa, no caso de Salomão, foi a ambição primeiramente expressa nos projetos de construção, que implicaram na escravização e duras condições de vida para muita gente, e que tornaram Israel parecido demais com o antigo Egito onde os próprios israelitas tinham sido escravos. E em seguida a ambição relacionada à riqueza e ao luxo possibilitados pelo exuberante comércio exterior. Uma palavra, repetida frequentemente no texto bíblico, inclui e resume tudo isso: “ouro”.

Os 666 talentos de ouro anuais são uma síntese de tudo que acabou causando a derrocada do reino de Salomão. “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” (1 Timóteo 6.10). Com muito ouro vieram muitas mulheres. Com muitas mulheres, muitos deuses. E por fim o amor ao ouro, às mulheres e aos deuses acabam se fundindo numa grande figura idolátrica. Que, uma vez presente e tacitamente aceita, fixa-se permanentemente nas instituições e nas figuras de estado, e acaba se mostrando difícil de dessarraigar. Disfarçada, na verdade nem se pensava que tal figura era para ser desarraigada. Seu poder sedutor tomava conta dos corações, mesmo que exteriormente as velhas palavras “ortodoxas” da religião oficial continuassem como se nada estivesse acontecendo. Temos, assim, o pano de fundo e com ele o sentido profundo que o texto bíblico vai conferir às palavras que não se cansará de repetir, depois de dizê-las pela primeira vez em relação a Salomão: “E Salomão fez o mal diante dos olhos do Senhor” (1 Reis 11.6).

Dia 300 – Ano 1