1 Reis 21.1-16

1 Reis 21.1-16

De volta ao dia a dia no reino de Israel, temos aqui mais uma história em que Acabe, o rei, volta para casa “contrariado e indignado” (1 Reis 21.4). Acabe vinha sonhando em fazer uma horta no palácio que tinha em Jezreel, e estava de olho num lote que ficava bem ao lado, cujo proprietário era um cidadão local chamado Nabote. Acabe propõe negócio a Nabote, mas esse não aceita de jeito algum. Para entender melhor, temos que lembrar que em Israel as terras eram propriedades familiares hereditárias. Havia leis para assegurar a posse da terra às famílias. Nabote parece movido por esse senso de compromisso com seus antepassados, por isso se recusa a vender sua terra, mesmo para o rei. Acabe, mesmo contrariado, se submete às tradições. Mas não consegue digerir a questão. Deprimido, fica de cama olhando para a parede, e não quer nem comer.

Jezabel, a esposa de Acabe que já havia protagonizado episódios em capítulos anteriores, vai ter com ele, e Acabe conta a ela o que passou. A reação de Jezabel ao saber da história é diferente da de Acabe. E não só no aspecto psicológico. Jezabel era filha de um rei sidônio, Etbaal (o nome mostra uma relação com o deus Baal). Ao longo da narrativa vai ficando claro que para ela as tradições israelitas não significavam muito, nem o Deus de Israel. Já Acabe se mostra um daqueles que Elias tinha denunciado, “andando de lá para cá” entre submissão a Deus e compromissos com outros deuses, com outros jeitos de pensar (1 Reis 18.21).

Para Jezabel a coisa era clara. “Quem é que manda, afinal?”, pergunta ela a Acabe (1 Reis 21.7). Para ela o rei é o poder absoluto. Sua vontade é a lei. Na tradição israelita, porém, o rei era um “vice rei”, submisso ao Rei que é Deus. Acabe flutuava entre uma concepção e a outra, mas no fundo não ousava romper com as leis do seu povo. Isso o dilacerava. A solução de Jezabel foi: “deixa comigo”. Ela arquitetou um plano, numa linha de pensamento que parece que não era a primeira vez que passava por sua cabeça. Escreveu, em nome de Acabe e com o selo de Acabe, instruções aos anciãos e aos influentes da cidade. Que proclamassem um jejum e que contratassem dois “filhos de Belial” (filhos do demônio) para ficarem ao lado de Nabote quando o povo se reunisse. Eles deveriam fazer de conta que ouviram Nabote blasfemar “contra Deus e contra o rei” (21.10) e apresentar queixa contra Nabote. E aí a multidão enfurecida e incitada faria o resto.

Funcionou. Os líderes locais não ousaram ir contra as ordens do rei, e puseram em marcha o plano da rainha. Impressiona a relativa facilidade com que um inocente é condenado por causa de fake news que as autoridades, aparentemente, não se deram o trabalho de checar e analisar. Em Israel, onde havia inclusive uma tradição de “cidades de refúgio” onde mesmo um homicida pudesse se abrigar até ser devidamente julgado (Josué 20.1-6), um cidadão é falsamente acusado e linchado pelo povo, com a conivência das autoridades e a mando do rei. Porque o rei queria a terra desse cidadão, Nabote, que ficava ao lado da sua, para fazer uma horta.

Dia 329 – Ano 1