Os Livros de Samuel vão se encaminhando para o seu final. Nesse momento (2 Samuel 22) a narrativa é interrompida por um salmo (também encontrado em Salmos 18) que expressa louvor e agradecimento de Davi a Deus porque Ele “o livrou de todos os seus inimigos e das mãos de Saul” (v.1). Deus é louvado por Sua capacidade de salvar (v.2-3), e por isso o salmista o invoca, crendo que também ele será salvo (v.4). Os v.5-6 contam como ele estava a ponto de morrer. Na sua angústia, ele invoca o seu Deus (v.7).
O v.8 começa uma bela descrição do salvamento divino, que se estende até o v.20. Terra e céus tremem quando Deus começa a atender o chamado (v.8-9). Ele “baixa os céus e desce” (v.10), desbaratando os inimigos (v.15). “Do alto Ele me estendeu a mão e me tomou, me puxou para fora das muitas águas” (v.17). “Trouxe-me a um lugar espaçoso” (v.20).
No mesmo v.20 começa a interpretação desse evento por parte do salmista. Os v.20-27 pintam um auto-retrato no qual com dificuldade identificamos a figura do Davi que temos acompanhado na história. Mas que por alguma razão é colocado aqui, quase ao final da história que retrata esse homem com toda a gama de ambiguidades e fraquezas que o marcaram. A mensagem para nós, pode ser: em vez de escolher um dos retratos e desprezar o outro, deixêmo-los aí, lado a lado.
Sempre haverá um certo descompasso, uma certa assimetria irresolvível entre a história da nossa vida como outros a vêem, e a narrativa que nós próprios criamos e vamos alimentando ao longo da nossa história. O fato de os textos bíblicos não esconderem esse descompasso entre as duas versões, mas justamente colocarem as versões uma ao lado da outra, quer nos fazer pensar. Reconhecer esse fato, pode representar maturidade. Especialmente quando vamos aprendendo a ver ambas as versões como parte do que Deus tem a nos ensinar. E mais especialmente ainda, quando as conciliamos sob a versão maior e mais definitiva da nossa vida: como ela aparece aos olhos de Deus e é carregada amorosamente em Seu coração.
Dia 281 – Ano 1