Gênesis 3.6-7

Gênesis 3.6-7

A visão da árvore de cujo fruto Deus havia determinado que não comessem, como que envolve o ser humano num fluxo de emoções e sentimentos que o levam a tomar uma atitude sem pensar, naquele momento, nas consequências. “E ela apanhou um fruto e o comeu. E ofereceu também ao seu companheiro, que estava com ela, e ele comeu” (Gênesis 3.6). Muito se tem falado e conjeturado sobre esse texto, sob o risco de perder de vista o mais importante: a determinação divina quer ser uma espécie de limite para o ser humano. Os humanos cuidam do Jardim como representantes do Criador, não como donos.

“E se abriram os olhos de ambos. E perceberam que estavam nus” (3.7). A serpente havia dito que seus olhos se abririam, e que a partir de então seriam “conhecedores do bem e do mal” (3.5), como o próprio Deus. Gênesis 3.7 começa jogando com essas palavras. Seus olhos se abriram, sim. Mas o que passaram a conhecer? Com certa ironia, o texto diz: “conheceram que estavam nus”. 

A palavra hebraica iadá significa “conhecer”, mas às vezes fica melhor traduzir como “saber” ou “perceber”. Aqui pela primeira vez é dito do ser humano que ele “conhece” algo. Em 2.25 eles simplesmente “estavam nus”. O conhecimento era direto, sem reflexão. Não havia distância. Agora, em 3.7, sujeito e objeto do conhecimento estão separados. O ser humano se olha, como se estivesse fora de si próprio. Como se se visse pela primeira vez. E “sabe” que está nu. 

Dia 10 – Ano 1

Gênesis 3.1-6

Gênesis 3.1-6

A nudez, a total transparência em que vive o casal humano, é agora colocada à prova. Um sutil jogo de palavras aqui aponta para uma tensão no ambiente. Dos dois humanos é dito que estavam “nus” (arumim), transparentes em todos os sentidos, e que nada lhes trazia vergonha. De outra criatura do Jardim, a serpente, se diz que era arum, “esperta”, mais que todos os outros animais (Gênesis 3.1). A esperteza da serpente entra em contato com a transparência dos humanos. As consequências disso são o tema de Gênesis 3.1-7. 

O ponto que a serpente quer discutir com a mulher é a determinação divina de não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 2.16-17). Ela sugere que a motivação que teria levado Deus  a determinar isso tinha a ver com não ter rivais. “Pois Deus sabe que, no dia em que vocês comerem dele, os olhos de vocês vão se abrir, e vocês serão como Deus, conhecedores do bem e do mal” (3.5). Pouco antes ela tinha dito com todas as letras que, contrário ao que Deus tinha dito, “vocês não morrerão” (3.4).

Gênesis 3.6 expressa o que se passa na cabeça do ser humano quando confrontado com estas questões. Como que já abrindo os olhos (a serpente não tinha dito que os olhos se abririam?), a mulher “viu” o que até então aparentemente havia passado despercebido. Que o fruto dessa árvore devia ser bem gostoso. Mais, parecia bem apetitoso. Mais, ele parecia corresponder a um profundo desejo que o ser humano de repente sentiu: saber das coisas.  Há aí um crescente, o envolvimento vai ficando cada vez maior e mais profundo. A Bíblia vai chamar isso de “tentação”.

Dia 9 – Ano 1