Gênesis 3.7-19

Gênesis 3.7-19

O ser humano ultrapassa o limite que Deus lhe havia colocado, e se percebe “nu” (Gênesis 3.7). Entre 2.25 (“estavam nus”) e 3.7 (“perceberam que estavam nus”) há uma distância que deve ser pensada, se quisermos conhecer a condição humana como a Bíblia a reflete. O texto marca esse distanciamento também por um jogo de palavras. Em 2.25, “nus” é arumim; em 3.7, “nus” é eirumim. Há uma diferença qualitativa entre nudez e nudez. Lá ela é natural como o ar que se respira. Aqui ela é causada. E se apresenta como não-natural, a ponto de os humanos imediatamente a esconderem.

Entre Gênesis 3.6 e 3.7 algo se rasga; e o relato que segue vai mostrando como isso assume proporções trágicas. O ser humano “abre os olhos”. Não que antes ele não enxergasse! Mas agora enxerga tudo diferente. Tudo continua o mesmo, mas tudo é radicalmente diferente. Esta é agora a condição humana, e ela persistirá por toda a narrativa bíblica, até os nossos dias.

O que o restante do capítulo descreve, é como um fosso se abrindo, desde o momento em que o ser humano infringiu a determinação divina.  O ser humano, com os “olhos abertos”, não enxerga este fosso, que é espiritual. Só é percebido numa dimensão que para ele agora se perdeu. Para poder enxergá-la, ele terá que “fechar os olhos” e deixar que eles sejam abertos novamente para as realidades espirituais. Este fosso começou a dividir, separar o que estava junto: o ser humano de si próprio (3.7), do seu próximo (3.7,12), de Deus (3.8-10),  das outras criaturas (3.15), da natureza (3.17-19).

Dia 11 – Ano 1

Gênesis 3.6-7

Gênesis 3.6-7

A visão da árvore de cujo fruto Deus havia determinado que não comessem, como que envolve o ser humano num fluxo de emoções e sentimentos que o levam a tomar uma atitude sem pensar, naquele momento, nas consequências. “E ela apanhou um fruto e o comeu. E ofereceu também ao seu companheiro, que estava com ela, e ele comeu” (Gênesis 3.6). Muito se tem falado e conjeturado sobre esse texto, sob o risco de perder de vista o mais importante: a determinação divina quer ser uma espécie de limite para o ser humano. Os humanos cuidam do Jardim como representantes do Criador, não como donos.

“E se abriram os olhos de ambos. E perceberam que estavam nus” (3.7). A serpente havia dito que seus olhos se abririam, e que a partir de então seriam “conhecedores do bem e do mal” (3.5), como o próprio Deus. Gênesis 3.7 começa jogando com essas palavras. Seus olhos se abriram, sim. Mas o que passaram a conhecer? Com certa ironia, o texto diz: “conheceram que estavam nus”. 

A palavra hebraica iadá significa “conhecer”, mas às vezes fica melhor traduzir como “saber” ou “perceber”. Aqui pela primeira vez é dito do ser humano que ele “conhece” algo. Em 2.25 eles simplesmente “estavam nus”. O conhecimento era direto, sem reflexão. Não havia distância. Agora, em 3.7, sujeito e objeto do conhecimento estão separados. O ser humano se olha, como se estivesse fora de si próprio. Como se se visse pela primeira vez. E “sabe” que está nu. 

Dia 10 – Ano 1