1 Reis 10

1 Reis 10

Depois de algumas notas pontuais sobre aspectos do reinado de Salomão (1 Reis 9.23-28), o capítulo 10 começa contando em mais detalhes uma história pitoresca. É a história da relação de Salomão com a rainha de Sabá. Ouvindo da fama de Salomão, a rainha veio ver de perto o fenômeno, acompanhada de “mui grande comitiva” (1 Reis 10.2). Nada é dito sobre a personalidade dessa rainha e sobre seus interesses. O texto focaliza a troca intelectual entre eles (10.2-3), e se desdobra em palavras de exaltação que a rainha dirige a Salomão (10.4-9). Ficou impressionada com a sabedoria e a prosperidade de Salomão (v.7), e declara feliz quem está por perto dele (v.8). E bendiz o Deus de Israel, que tornou tudo isso possível (v.9). O registro das trocas de presentes é mais ou menos protocolar (v.10,13), curiosamente interrompido para falar sobre a prosperidade trazida naqueles dias pelo comércio internacional (v.11-12), uma marca do reinado de Salomão.

É sobre esse comércio internacional que o texto vai se debruçar agora, até o fim do capítulo (1 Reis 10.14-29). O capítulo 11, a seguir, parece mudar de assunto. E especialmente de tom. Se em 10.23-24 ainda há lugar para uma última nota de exaltação ao rei, a partir de agora o texto só tem críticas a fazer. Pesadas. De graves consequências, como a sequência da história bíblica vai mostrar.

Como explicar essa guinada de 180 graus na narrativa? O trecho de 1 Reis 10.14-29 representa como que o ponto alto da história de Salomão, e ao mesmo tempo contém as sementes da derrocada que segue. Estamos num desses momentos determinantes e decisivos na narrativa bíblica. 

O primeiro versículo desse trecho (1 Reis 10.14) é chave. “O peso do ouro que se trazia a Salomão a cada ano era de 666 talentos de ouro”. O relato paralelo de 2 Crônicas faz o mesmo registro, literalmente: “O peso do ouro que se trazia a Salomão a cada ano era de 666 talentos de ouro” (2 Crônicas 9.13).

Não é um número comum. Normalmente os textos bíblicos arredondam esse tipo de dado. Aqui, não. O número é exato. E segundo os textos se repetia a cada ano, com a mesma exatidão. Já o valor monetário, seria extremamente alto (o equivalente a 22 toneladas de ouro por ano). Mas o número e sua exata repetição anual carregam uma mensagem. Tudo que é contado no capítulo 11, na sequência, está sob a sombra fatídica dessa mensagem. O que ela traz na sua esteira é resumido numa palavra: idolatria (1 Reis 11.1-8). Que gera um intenso repúdio divino (1 Reis 11.9-13). Que reverbera de imediato na história do enfraquecimento do reino de Salomão (1 Reis 11.14-40).

A sequência da história bíblica, até o fim de 2 Reis, é uma longa história de decadência, denunciada por profetas e interrompida aqui e ali por momentos de tentativa de reversão. Mas que no fim se mostram infrutíferos para conter o avanço do mal que parece ter se instalado nas entranhas do povo de Deus com os 666 talentos de ouro que de fora lhe eram trazidos a cada ano.

Dia 298 – Ano 1