Isaías 24.4-6

Isaías 24.4-6

“A terra chora, murcha. O mundo definha, murcha” (Isaías 24.4). A terra e o mundo dos humanos são colocados em paralelo. O que acontece a um, acontece ao outro, estão umbilicalmente vinculados. Esse é um importante pressuposto do que vem a seguir. Isso precisa ser enfatizado num mundo que se acostumou a dissociar os dois, e que inclusive acha que só o mundo dos humanos é propriamente vivo. “A terra chora” não é uma figura de linguagem, é uma realidade que perdemos a capacidade de perceber. A terra está de luto. O mundo humano não chora com ela, mas como esses processos vão bem além do nosso consciente, mesmo assim ele definha e também “murcha”.

“A terra foi poluída por seus habitantes” (24.5). Eles “menosprezaram as instruções, passaram por cima das leis. Romperam a aliança eterna”. A relação é de causa e efeito, ou pelo menos de sincronicidade. No processo civilizacional, os humanos menosprezaram as torôt, as “instruções” (os conselhos da torá, a Instrução). Talvez julgando-se proprietários de uma sabedoria melhor. E assim acabaram passando por cima das “leis” (que aqui podem englobar inclusive as leis da física, as leis do universo). Talvez pensando que possam ser melhores criadores que o próprio Criador.

“Romperam a aliança eterna”. A criação inteira faz parte de uma “aliança eterna”. Da qual a aliança com Davi, a aliança com os israelitas no Sinai, a aliança com Abraão, são afunilamentos estratégicos em vista do todo. O marco mais primordial e mais abrangente dessa aliança eterna, na narrativa bíblica, é a aliança com Noé (Gênesis 9). É aliança com a humanidade, antes ainda que ela começasse a se dividir em povos e nações (Gênesis 10). É “aliança eterna” entre Deus e toda a vida na terra (Gênesis 9.17). Expressão concreta da “aliança eterna” que no coração de Deus liga Deus com todos os humanos e com toda a vida na terra e no universo.

O rompimento dessa aliança tem como consequência, aqui em Isaías 24, a poluição da terra. Essa “poluição” tem efeitos devastadores sobre a superfície do planeta. Como todos podemos ver. Mas ela tem uma dimensão de profundidade que muitas vezes nos escapa. A terra está “sob maldição” (Isaías 24.6). Esse tema percorre a Bíblia de um lado a outro. Na narrativa bíblica, a maldição da terra tem a ver com o pecado humano (Gênesis 3.17: “maldita é a terra por tua causa”). O profeta diz que a maldição “devora a terra” (Isaías 24.6). E que a culpa é dos seus habitantes. Uma imagem muito expressiva disso temos em Gênesis 4, no relato sobre o primeiro homicídio. A terra “que abriu sua boca para receber o sangue do teu irmão” (Gênesis 4.11) com a mesma boca clama a Deus, reverberando o grito do irmão assassinado (Gênesis 4.10).

Dia 44 – Ano 2