Isaías 45.7 (2)

Isaías 45.7

Deus “cria o mal” (Isaías 45.7). Isso precisa ser bem compreendido. Em Deus, “o bem” e “o mal” são “o bem e mal”. Não são separados. Portanto, o “mal” que Deus cria é outra coisa, podemos dizer, que “o mal” na história humana depois da queda no pecado. Nesse último sentido, “o mal” não existia antes do pecado, ele surgiu no mundo com o pecado. A criação divina é uma condição de “paz” no sentido amplo da palavra shalôm, uma condição de integridade e harmonia, uma condição em que as energias que aqui se chamam “o mal” ainda fazem parte de um “bem” maior, um complexo de energias de extrema riqueza e grande potencialidade. E que não tem a conotação negativa que passa a ter a partir do pecado. E que aqui é equacionado com shalôm, “paz”. Não por nada, o manuscrito hebraico mais antigo que conhecemos do Livro de Isaías, traz aqui a palavra “o bem” em lugar de “a paz”. São a mesma coisa.

Quando os humanos transgridem a determinação divina, introduz-se uma rachadura no reino de paz e bondade que é o paraíso. E é isso que a Bíblia chama de “pecado”. Pecado é uma força que separa, que rompe, que racha. O pecado rompe a unidade integrada de “bem e mal” que constitui e permeia a criação divina, de modo que a partir daí temos “o bem” e “o mal” separados. Uma separação que vai levar a um grande conflito. Separados, ambos se tornam coisa diferente do que eram. Mas é importante que se mantenham os mesmos nomes, porque a narrativa bíblica conta a história da reconciliação, da superação dessa separação.

 Na narrativa bíblica, quando se separam, “o mal” vai concentrando em si o aspecto negativo desse rico complexo de energia, e o pólo positivo é chamado de “o bem”. Enquanto o “mal” como criado por Deus orbita, organicamente vinculado, em torno do “bem”, ele é um fator importante da criação divina. Separado, ele tem um potencial perigoso. Sem força para criar, mas com força para quebrar, separar, fragmentar. Nesse processo, as próprias fragmentações que ele causa vão se tornando impedimentos para a reconstrução da unidade e da integridade daquilo que ele vai rachando. Esse é “o mal” destrutivo de que falam os textos bíblicos.

No Livro de Isaías, esse tema é muito importante. Chamar “mal” de “bem” e “bem” de “mal” é uma das piores coisas que se pode fazer. Pois significa brincar com o pecado, que gera em nós a percepção de um “mal” que pode se pensar como separado do “bem”, e inclusive tenta tomar o lugar dele. Por sua pertença originária a uma energia criativa, ele não só vai rompendo o que Deus criou como unidade. Como que imita a criação divina, uma espécie de “fake criação” que acaba resultando num “mundo fake” feito de contrapartidas falsas do poder criador de Deus. Um reino de intriga, falsidade, ilusão, que leva a destruição e morte.

Dia 97 – Ano 2