Levítico 17

Levítico 17

O dia anual de expiação, sobre o qual lemos em Levítico 16, mostra dois movimentos espirituais que perpassam o dia a dia do povo de Deus. 

O primeiro movimento é o do pecado. Não é um movimento só, mas um conjunto caótico de forças que atuam em direções descoordenadas, mas sempre com o mesmo efeito: invadem o centro pessoal, e ali desconectam, rompem, fragmentam, separam. E espalham os efeitos nefastos disso para fora, na relação com Deus, na vida pessoal, nas relações na sociedade e na natureza.

O segundo movimento é o do amor. O amor não invade. Convida, atrai “com cordas humanas, com laços de amor”, como diz o profeta Oséias (11.4), rememorando aqueles tempos no deserto. Desde a Tenda, no centro do acampamento, o amor espalha os seus efeitos benéficos para fora, na relação das pessoas com Deus, consigo próprias, nas relações na sociedade e na natureza. O perdão dos pecados e a purificação das impurezas quer propiciar novos começos, novas oportunidades para este amor divino ser recebido no centro pessoal de cada indivíduo, e dali espalhar reconciliação, restauração.

Os capítulos finais do livro de Levítico querem mostrar como esse amor quer fazer a diferença no dia a dia do povo de Deus. Como o amor sempre quer se tornar concreto, ele vem expresso na linguagem do cotidiano, da vida nossa de cada dia. E como ali ele arrisca se diluir no meio de tantas coisas que nos ocupam, é fácil perder de vista o propósito maior de todas as instruções que encontramos nestes capítulos. 

Primeiro, há que assegurar que a relação com Deus seja única e venha em primeiro lugar, pois é dali que emana o amor e a vida. Naquela época, a relação com Deus se expressava por meio de rituais de sacrifício de animais. Sobre isto trata Levítico 17, com duas tônicas: deixar de se prostituir com os demônios (17.7), e respeitar o sangue, que tem relação íntima com a alma, e por isso veicula a vida (17.11).

Dia 106 – Ano 1

Levítico 9

Levítico 9

Levítico 8 contém uma importante advertência, que acompanhará permanentemente o exercício do sacerdócio. Ela aponta para o centro de todos esses rituais. Os sacerdotes devem observar sempre as prescrições divinas, “para que não morram” (Levítico 8.35). Podemos ver isso como ameaça de um Deus ranzinza, ou como o centro oculto e amoroso de todos esses ritos. 

O pecado (os fossos que nós continuamente vamos cavando ao nosso redor, separando-nos de tudo e de todos e introduzindo antagonismos e conflitos de todo tipo) semeia morte. Só uma nova relação com o amor divino pode romper esse círculo vicioso. E é essa nova relação que é o foco de todo o sistema ritual da Bíblia.

O nosso grande problema é que, desde que começamos a “ter medo de Deus” (como Adão em Gênesis 3.10) preferimos evitá-Lo e fazer as coisas do nosso jeito. Sem perceber que, com isso, espalhamos sempre mais morte. Respeitar a divindade de Deus e a nossa humanidade é a condição de podermos sentar na roda com Deus, como grande família. Agora, temos como que um trauma em relação a isso, que leva a ver os outros como querendo nos desmascarar e eliminar, e assim leva a tentar se preservar disso de qualquer jeito. E um dos jeitos é sempre querendo que tudo seja feito do nosso jeito. Se tentarmos fazer a relação com Deus do nosso jeito, traremos morte para dentro do único lugar de onde pode vir a vida que acaba com essa morte. Isso é o que quer dizer o “para que não morram” aqui em Levítico 8.35. É só fazendo do jeito de Deus que a vida poderá vencer a morte. E é da vida de toda a criação que aqui estamos falando.

Levítico 9 tem o foco em Arão, o sumo-sacerdote. Depois de Moisés, em nome de Deus, consagrá-lo para o serviço, agora Arão preside seu primeiro ritual. É um momento importante, pois representa o início de uma nova etapa nas relações de Deus com Seu povo. Não é ainda onde Deus quer chegar, mas estamos a caminho!

Dia 98 – Ano 1

Levítico 6

Levítico 6

Um pequeno aspecto tem grande importância em Levítico 5. Em 5.11 diz que se alguém é pobre demais até para trazer duas rolinhas ou dois pombinhos para o sacrifício, pode trazer flor de farinha. Isto quer dizer que o sacrifício de um animal não é obrigatório para o perdão dos pecados.

Aqui temos que distinguir entre os meios e os fins. Os meios dependem de circunstâncias, e em relação a eles Deus mostra disposição a se adaptar. Pedagogicamente, Ele se coloca na nossa situação e, dali, aos poucos vai nos ajudando a aprender quais são os fins, os objetivos de tudo isso. Estes fins últimos são constantes na narrativa bíblica. Em relação a eles, vale o que é dito de Jesus em Hebreus 13.8: ele “é o mesmo, ontem e hoje, e o será para sempre”. 

Isso vale para todo o sistema sacrificial, e valerá também, mais adiante, para as formas de organização do povo de Deus. Importante, realmente, é o grande propósito em tudo isso: a reconciliação entre Deus e a humanidade, entre Deus e o mundo. E o jeito com que Deus quer que ela se realize: com a nossa parceria consciente e ativa. Os sacrifícios, portanto, são transitórios. Importantes numa fase do processo pedagógico divino. Mas não fazem parte dos fins de Deus para conosco. Quem hoje se mostra sensível à violência contra os animais, pode ter mais razão do que quem é indiferente a ela, ou até a pratica, alegando que a Bíblia a permite ou incentiva!

Levítico 6 trata de diversos tipos de pecados, de atitudes que cavam fossos que vão separando as pessoas de Deus, delas próprias, umas das outras e da natureza. São fossos espirituais, por isso a gente normalmente não os enxerga. Só enxerga os efeitos, tempo depois: eles introduzem o caos na boa criação divina. Mas Deus enxerga, e como o Cuidador da criação (que nós também somos chamados a ser, Gênesis 2.15), Ele toma providências. Com os meios disponíveis em nosso ambiente e em nossa consciência, as relações rompidas são restauradas ritualmente. Este é o fim maior dos ritos na Bíblia. Com isso em mente, podemos entender melhor os textos que estamos lendo.

Dia 95 – Ano 1

Levítico 4 — 5

Levítico 4 — 5

Estamos nos introduzindo, pouco a pouco, no processo de tentar entender o sistema sacrificial e o sistema de oferendas dos israelitas.

Os sacrifícios de animais eram de dois tipos. Num, o animal era queimado por inteiro (é o “holocausto”). Noutro, só partes eram queimadas, e o resto era comido pelos sacerdotes. O mesmo se aplicava às oferendas (como as de alimentos, Levítico 2). As oferendas tinham como objetivo o agradecimento, pagamento de um voto, etc. O holocausto tinha como objetivo fazer “expiação” (Levítico 1.4), remover os pecados e tornar as pessoas “aceitas” por Deus (1.3). 

A santidade divina é “fogo consumidor”. O pecado é destruído em Sua presença. Assim, para evitar que as pessoas sejam mortas, um animal ao qual se transfere o pecado (Levítico 1.4) é queimado. O sangue espargido é a vida que se esvai, propiciando que outra vida seja preservada. A parte das oferendas que não é queimada, é consagrada a Deus e comida pelos sacerdotes (Levítico 2.3,10).

Levítico 4 — 5 é dedicado a instruções sobre o que fazer em relação aos chamados “pecados por ignorância”. São infrações involuntárias, mas, mesmo assim, infrações. O trecho trata dessas infrações, cometidas por quatro grupos: os sacerdotes (4.1-12), o povo (4.13-21), os líderes (4.22-26), qualquer indivíduo (4.27-35 e todo o capítulo 5). Em 5.17-19 temos um tipo de resumo.

Chama a atenção o conceito de pecados “do povo”. Várias histórias do Antigo Testamento vão mostrar como pessoas podem fazer coisas que trazem culpa sobre o povo todo. Nós hoje gostamos de pensar que isso não é mais assim, que só se pode falar de culpa em relação aos indivíduos. Mas as grandes injustiças sociais do nosso tempo, muitas vezes não são atribuíveis a crimes individuais. A sociedade toda, à medida em que permite a injustiça, é culpada. Os textos bíblicos nos ajudam a lembrar disso.

Dia 94 – Ano 1

Levítico 1

Levítico 1

O Livro de Êxodo termina declarando que, a partir de agora, Deus tem uma tenda neste mundo. Êxodo 40.35-38 falam de como a partir daí se mostrou a presença de Deus em meio ao Seu povo, durante o tempo da peregrinação pelo deserto. Enquanto Deus ficava acampado (enquanto a nuvem cobria a Tenda e a glória de Deus enchia a Morada), o povo ficava acampado. Quando a nuvem subia e seguia em frente, o povo levantava acampamento e seguia atrás da nuvem.

Aqui se descreve um lado do que foram aqueles 40 anos pelo deserto. O lado bonito. O outro lado vai aparecendo, é só seguir lendo. Murmurações, revoltas, desobediência, teimosia. Mas esse outro lado não deveria nos fazer esquecer o lado bonito que aqui é apresentado. É esse lado bonito que, mais tarde, será lembrado com nostalgia por profetas como Oséias (2.14-15) e Jeremias (2.2-7).

Começamos agora a leitura do Livro de Levítico. Ele vai descrever, devagar e minuciosamente, como essa relação de Deus com Seu povo se complexifica quando é vivida na realidade do mundo em pecado. Talvez hoje tenhamos dificuldade em compreender por que dar tanta importância ao pecado. Talvez preferíssemos um relato que se concentrasse nos bons momentos. Deus quer que bondade e beleza tenham fundamento sólido e permanente. E isso não se resolve com  pensamento positivo, que passa por cima dos problemas. Passar por cima deles agora, é permitir que aflorem mais fortes e destrutivos mais adiante.

O pecado é uma força desagregadora, que sempre de novo cria fossos invisíveis que separam o ser humano de Deus, de si mesmo, dos outros, da natureza. Essa força está dentro do mundo, misturada ao nosso cotidiano. Detectá-la, tratá-la, com amor e sem violência, é um dos propósitos da narrativa bíblica.

Dia 92 – Ano 1

Gênesis 44

Gênesis 44

O episódio de ontem terminou em festa. Chegamos à leitura de hoje com boas expectativas. Mas logo somos colocados novamente em suspense. Mais uma vez a narrativa tem uma virada inesperada. Agora é José que toma uma atitude um tanto incompreensível (Gênesis 44.1-2). Parece que o que o motivou foi o desejo de que o irmão caçula ficasse com ele. Nesse momento da narrativa, José ainda não sabe o que nós já ficamos sabendo: que isso acabaria com a vida do pai deles (cf. 42.36-38). Judá vai deixar isso claro para José (44.30-31).

No auge da crise, os onze irmãos “rasgam suas vestes” (44.13), um gesto de luto e penitência. E assim chega a hora da verdade para os doze irmãos. Judá toma a palavra, diante de José, e reconhece que eles haviam chegado ao fim. Não há mais como se justificar. Deus, finalmente, expôs a iniqüidade deles (v.16). Nem uma palavra, ainda, sobre o que eles haviam feito a José no passado. Só uma confissão geral (“a iniqüidade de teus servos”). Gênesis 42.21-22 mostra que entre eles uma vez eles já tinham sido bem específicos no reconhecimento de seu pecado. E isso na presença do governador. Não sabiam que era José, e que podia entender a língua deles. No momento presente, tudo que conseguiram foi colocar umas frases na boca do pai (“dois filhos … um se ausentou … certamente foi despedaçado”, 44.27-28).

Essa relutância dos filhos de Jacó/Israel em reconhecer e confessar seus pecados, certamente não é só deles. Nisso eles talvez retratem a grande maioria de nós.

Dia 50 – Ano 1

Gênesis 19.1-29

Gênesis 19.1-29

Este capítulo ilustra bem como a disseminação da maldade na terra, que tinha sido o motivo do dilúvio, não foi “lavada pelas águas”. E confirma a percepção do Criador, de que os impulsos do coração humano são maus (cf. Gênesis 8.21). E confirma o que Deus havia dito reservadamente a Abraão (Gênesis 18.20-21): o pecado de Sodoma e Gomorra é grave, e clama aos céus.

O pior é que não foram encontrados ali nem sequer dez justos. Sobrou Ló, com a mulher e duas filhas. Os genros riram dele (Gênesis 19.14), e a própria mulher ficou entre dois corações e acabou sucumbindo (19.26). Sodoma e Gomorra se tornaram proverbiais na narrativa bíblica, como paradigma da maldade sem freios que pode se apossar da espécie humana.

Um texto como este convida “ao divã de Deus”, o melhor lugar para a gente se analisar. Deus conhece nosso coração melhor do que nós mesmos. E quando Ele nos guia nessa análise, é com o carinho de quem conhece a natureza humana por experiência própria. O pecado humano sempre gera clamor, ninguém é uma ilha isolada. E é importante que eles sejam expostos como tal. É importante saber que é “a justiça do Juiz de toda a terra” (Gênesis 18.25) que trata deles. E é importante saber que ela se revelou em “Jesus Cristo, o Justo” (1 João 2:1), assumindo sobre Si a culpa “pelos nossos pecados; e não só pelos nossos, mas pelos do mundo inteiro” (1 João 2.2). E assim Ele próprio nos transforma em “justos”, esses de que toda cidade precisa! 

Dia 28 – Ano 1

Gênesis 18

Gênesis 18

Entre a promessa e o cumprimento, ainda tem algum chão. Neste capítulo, mais um passo é dado. Abraão recebe visita. Da perspectiva de Abraão, eram “três homens” (Gênesis 18.2). O texto fala deles como “homens” (18.16,22). Em 18.9-10, “eles perguntam” algo, e depois “um deles” fala; no restante do texto, quem fala é “o Senhor” (18.13,17,20); a partir de 18.22, Ele fala a sós com Abraão. Em 19.1 os dois outros são chamados de “anjos”.

O capítulo tem duas partes. A primeira (18.1-15) trata do anúncio solene de que Sara teria um filho. A segunda (18.16-33) trata da destruição de Sodoma e Gomorra. Nascimento, esperança, de um lado. De outro lado, morte, fim. O v.20 diz que o motivo da destruição seria que o pecado dos moradores “era muito pesado”, e que isso gerava um clamor que se ouvia no céu. Gênesis 4.10 mostra a terra clamando a Deus por causa do sangue que nela foi derramado. Em Romanos 8.22, a criação toda geme por causa dos processos de degeneração causados pelo pecado dos humanos. Esse gemido chega ao céu.

O diálogo reportado em 18.17-33 mostra elegância e respeito. O jeito com que Deus trata Abraão é comovente. O tema da conversa é bem resumido em Provérbios 11:11 (“Pela bênção que os retos suscitam, a cidade é exaltada; pela boca dos perversos, é derrubada”). Abraão apela para “a justiça do Juiz de toda a terra” (18.25). E o Senhor, o Juiz, recebe com deferência este apelo. Sua justiça não é injusta, e sim longânima. Se nelas houver dez justos, as cidades serão poupadas (18.32).

Dia 27 – Ano 1